Artigo: A Curitiba que muito amamos – e que tanto zoamos

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Por Jacir J. Venturi, catarinense e cidadão honorário de Curitiba, é fundador do Amo Curitiba – Ações Voluntárias. É coordenador da Universidade Positivo (UP)

O curitibano de raiz ou por adoção é bem informado, culto. Em política e economia, é um liberal-conservador. Orgulha-se de sua cidade. Sobre ela dispensa críticas e humor fino, tipo inglês. É jocoso com o seu clima: Curitiba só tem duas estações, o inverno e a estação rodoviária. Ou: o verão de Curitiba é tão bom que até o inverno vem passar muitos dias por aqui. Sabe em que aquela escritora inglesa teria se inspirado para definir o título do livro Cinquenta tons de cinza? Adivinhou: nas fotos do céu curitibano, enviadas por uma amiga.

Características do fog londrino – a neblina e o ar gélido – são coisas de cidade de primeiro mundo. E, num misto de blague e didática, adverte ao turista: desembarcando na terra dos pinheirais, tenha na mala um suéter, camisa regata e capa de chuva, pois no último outono, num único dia, muita chuva, sol e uma amplitude térmica de 19º C.
O frio de Curitiba era o mote para o poeta Paulo Leminski declamar em alto e bom som, junto às mesas do velho Bar Palácio: “Rio de Janeiro é o mar, Curitiba é o bar e onde beber é legítima defesa”. E emendava, parafraseando Maiakovski: “Prefiro morrer de vodca nessa cidade a morrer de tédio”.
Um amigo, que aqui passou uma festa momesca, convalescendo de um transplante de fígado, faz chiste: o melhor do carnaval foi a música Pour Elise tocada pelos caminhões da Liquigás. E, para sua surpresa, naquele ano, muito sol em Curitiba, como uma represália às tormentas que assolaram o Litoral catarinense, para onde se aninha o curitibano típico nos feriados.
Nos anos 70, o curitibano – adjetivado de provinciano – vivia às turras com catarinenses que aqui desembarcavam, em busca da excelência das faculdades e das boas oportunidades de emprego. Namorar uma de suas belas polacas era a suprema ousadia. Vigiadíssimas pelos pais e até mais pelos irmãos, casadouras, seios fartos e naturais, fogo contido e, ante qualquer investida, fingiam brabeza. Os arranca-rabos entre “curitibocas” e “catarinas” – como pejorativamente se altercavam – foram recorrentes. Por que barriga-verde? Cada lado com sua versão, ambas nada republicanas e até bastante chulas. A etimologia tupi-guarani de curii-tyba (“muito pinhão”) sofria por parte dos catarinas uma prosaica corruptela: cu-ritiba, em que “ritiba” significava “do mundo”. Pândegas à parte, amavam-se mutuamente.
Curitiba, Cidade Sorriso? Só se for sorriso amarelo! Um raro sorriso de curitibano cura até câncer! O revide não tardou, com a construção da passarela da Vila Hauer, na Marechal Floriano, na época a via preferida de entrada dos catarinenses. A passarela em arco recebe dos nativos daqui a espirituosa alcunha de “quebra-chifre de catarina”.
E, se no meu peito bate um coração que ama, este coração jamais haverá de negar amor à terra que me deu grandes alegrias e oportunidades. Feliz e agradecido, brindo os 323 anos de uma metrópole transformada, terra de todas as gentes, referencial urbanístico. E se, lá nos anos 70, as mal-afamadas “repúblicas“ de estudantes das ruas Riachuelo e 13 de Maio abrigaram a mim e a uma horda de estudantes de outros estados, hoje a cidade se enleva como a “República de Curitiba”, cuja senha faz jus: “ventos frios sopram de Curitiba”.
 

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