Hipotecando o futuro

Alexandre dos Santos Cunha, Carlos Luiz Strapazzon e Anderson Marcos dos Santos*

No último dia 31 de julho, a comunidade científica brasileira recebeu com apreensão a notícia de que o projeto de lei orçamentário apresentado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional prevê um corte de 11% no orçamento anual da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que seria reduzido em mais de R$430 milhões em 2019. Note que em 2015, o orçamento da CAPES foi R$ 7 bi. E só em bolsas, investiu R$ 6,4 bi. A proposta atual do governo é baixar os já reduzidos R$3,88 bi, para R$3,45 bi. Valores que inviabilizam a produção científica.
O Presidente da CAPES, Abílio Baeta Neves foi tão claro como poucas vezes se viu: esse corte orçamentário proposto impede a manutenção dos programas de bolsas da CAPES para além de agosto de 2019. Esses programas auxiliam a pesquisa de 93 mil professores e pesquisadores de pós-graduação, além de 350 mil tutores e professores da educação básica, vinculados a programas de formação e qualificação docente mantidos pela Fundação. São 443 mil brasileiros dedicados à produção de conhecimento, ao desenvolvimento científico e tecnológico e ao ensino. E com valores de bolsas bastante baixos: R$1.500,00 para mestrado e R$2.200,00 para doutorado. Com o auxílio-moradia de um magistrado federal, por exemplo, é possível manter três pesquisadores de mestrado ou dois de doutorado.
É importante compreender que os benefícios gerados pelos programas de bolsas da CAPES ultrapassam em muito a pessoa de seus beneficiários. As universidades geram mais de 90% de toda produção científica brasileira e os principais colaboradores da pesquisa realizada em laboratórios e centros de pesquisa são os próprios estudantes de mestrado e doutorado. Aprendizes na produção de conhecimento, eles não serão apenas os futuros quadros técnicos necessários ao desenvolvimento nacional. Ao longo do curso de pós-graduação, desde que possam beneficiar-se dos programas de bolsas da CAPES e dedicar-se exclusivamente à pesquisa, constituirão também a base humana sobre a qual se constrói a ciência brasileira.
Em momentos de crise, é comum negligenciar o importante, em nome de resolver o urgente. Experimentamos pensar o Brasil hoje sem os programas de bolsas da CAPES. E não precisa mencionar os casos evidentes de liderança tecnológica, como o sucesso internacional da Embraer na produção de aeronaves, ou da Petrobras na produção de petróleo em águas profundas. Uma das principais missões da CAPES, nos anos 1950, foi a de formar pessoas e implantar os primeiros cursos e centros de pesquisa na área de geologia, sem os quais nunca seríamos o grande exportador de produtos minerais que somos hoje. A partir dos anos 1970, com uma nova ênfase em pesquisa agrária, a constituição da Embrapa e a aliança construída entre esta e as universidades brasileiras permitiu revolucionar a produção agrícola, possibilitando que passássemos de importadores a exportadores de alimentos em menos de vinte anos.
Esse é o poder do investimento em ciência. E esse é o ônus, ou o bônus, que os cortes orçamentários de hoje podem deixar às futuras gerações.
*Alexandre dos Santos Cunha, doutor em Direito e pesquisador do Centro de Pesquisa Jurídica e Social da Universidade Positivo (CPJUS/UP). Carlos Luiz Strapazzon, doutor em Direito, professor de Direito Constitucional e pesquisador do CPJUS.  Anderson Marcos dos Santos, doutor em Sociologia, professor de Direito e Sociologia e pesquisador do CPJUS.

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