Artigo: A corrupção e o princípio da razão suficiente

Por José Pio Martins, economista e reitor da Universidade Positivo

Argumentar é arte de construir conclusões a partir de premissas e evidências. O bom argumento é aquele que deriva corretamente de premissas apoiadas por evidências reais. Quando construído sobre premissas falsas – aquelas sem respaldo em evidências reais –, o argumento se torna frágil e pode voltar-se contra aquele a quem pretende defender.
Se o advogado defende um acusado usando argumentos derivados de premissas falsas (sem evidências apoiadoras), ou ele não é um bom advogado ou o cliente é realmente culpado. Ouvindo os argumentos dos advogados da Operação Lava Jato, lembro-me dos ensinamentos de Leibniz, Kant e Schopenhauer sobre a razão. Em suas declarações, o ser humano faz uso da razão, que é uma maneira de compreender a realidade, elaborar explicações e expô-las de forma compreensível. A razão funciona com base em princípios. São eles:
O princípio da identidade afirma que uma coisa, seja ela qual for, só pode ser conhecida e pensada se for percebida com as características que a identificam e que são necessárias para definir a coisa e conhecê-la a partir de sua definição. Se afirmamos que um retângulo é uma figura de quatro lados e quatro ângulos, toda vez que nos for oferecido um problema referente a um retângulo saberemos tratar-se de uma figura com quatro lados e quatro ângulos, e nenhuma outra.
O princípio da não contradição afirma que dez é dez, e é impossível que seja, ao mesmo tempo, “não dez”. É impossível a árvore de meu quintal ser e não ser uma laranjeira. Isto é, o princípio da não contradição afirma ser impossível uma coisa negar a si mesma. Sem esse princípio, o já citado princípio da identidade não poderia funcionar.
O princípio do terceiro excluído afirma que algo é “x” ou é “y” e não há terceira possibilidade. Exemplos: encontro um amigo e afirmo “ou este homem é Pedro ou não é Pedro”; olho o tempo e digo “ou vai fazer sol ou não vai fazer sol”. Nessas duas afirmações não há a menor chance de uma terceira hipótese. Da mesma forma, se há US$ 100 milhões na conta de um funcionário da Petrobras na Suíça, “ou é crime ou não é crime”. Se o dinheiro não veio de origem legal, como salário ou herança, se o depósito foi feito por uma empreiteira, tentar dizer que não existe crime certamente não é um argumento válido.
O princípio da razão suficiente afirma que tudo o que existe e tudo o que acontece tem uma razão (no sentido de causa ou motivo) para existir ou para acontecer, e isso pode ser conhecido por nossa razão (capacidade de raciocinar). O princípio da razão suficiente também é conhecido como princípio da causalidade por estabelecer conexões entre coisas, entre fatos ou entre acontecimentos. Por exemplo: “Se houver ‘a’, necessariamente ocorrerá ‘b’”; “se chover, necessariamente a terra ficará úmida”.
Ouvi um palestrante dizer: “Se o sujeito é funcionário público há 30 anos, não recebeu herança, não ganhou na loteria e tem US$ 100 milhões na Suíça, não é preciso qualquer outra prova, é ladrão!” A simples existência da fortuna é a razão suficiente para provar que o dinheiro tem origem ilícita, criminosa. Mas isso não dispensa o processo legal e o respeito ao direito de defesa.
Assim como a função do zagueiro é impedir que o atacante marque gol, a função do advogado é dificultar que a polícia, o promotor e o juiz provem que há crime (materialidade) e que o acusado é culpado (autoria). Sem o advogado de defesa, o processo de chegar à verdade é falho e ilegítimo; seria como atacantes ganharem um jogo em que não há zagueiro nem goleiro adversários.

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