Artigo: Governar a serviço da população nem sempre é abrir estradas

Glavio Leal Paura*

Em pleno período pré-eleitoral, a sociedade paranaense se vê novamente envolvida em um tema recorrente no que diz respeito à infraestrutura de transporte: uma possível duplicação da estrada que liga a PR-412 a Pontal do Sul e a criação do Terminal Portuário de Pontal do Paraná, um porto privado no município. Como especialista em transportes, pedirei licença para explorar o tema sob essa ótica para que depois possamos melhor compreendê-lo.
O primeiro ponto a deixar claro é que um desenvolvimento portuário, quando bem planejado, pode trazer, sim, desenvolvimento econômico a uma região. Há inúmeros casos mundo afora que comprovam isso, principalmente em países desenvolvidos. Por outro lado, quando os devidos estudos de impactos socioambientais não são respeitados, ou quando o planejamento não leva todos os fatores em consideração, um porto torna-se um grave problema, e não uma solução.
Quando se planeja a instalação de um porto, existe a necessidade de se pensar em estradas para o escoamento de mercadorias. Infelizmente, na proposta que prevê a viabilização do porto privado em Pontal do Paraná, no Litoral do estado, as soluções que têm sido apresentadas em termos de transporte prometem trazer mais malefícios do que benefícios à comunidade. Hoje, temos uma ligação de Curitiba à região de Pontal via BR-277. Para chegar até a entrada de Pontal, toma-se a PR-407 e, finalmente, a PR-412, até o destino final. Essa última prossegue paralela à área costeira até a referida cidade.
Umas das pré-condições para a instalação do porto exigidas por todos os estudos oficiais seria, portanto, uma nova estrada, justamente para atender o fluxo de cargas. O governo do Paraná tem defendido a criação desta nova rodovia, afirmando que ela seria suficiente para resolver todos os problemas de congestionamento vividos pela população e veranistas. Porém, há um detalhe que não fazem questão de propagandear: a nova estrada seria de pista simples. A promessa de que ela desafogaria, portanto, a atual PR-412 não se sustenta.
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do possível porto, realizado em 2008, ensina-nos que um porto é um “polo gerador de tráfego”, reconhecendo que essas estruturas “atraem ou produzem grande número de viagens, o que geralmente gera reflexos negativos na circulação viária e seu entorno, podendo até mesmo prejudicar a acessibilidade de toda a região devido a altos níveis de congestionamento e colapso do sistema de transportes”. O estudo também diz que a condição “pode causar insegurança a pedestres bem como degradação da qualidade de vida, direta e indiretamente, como resultado do aumento do fluxo de veículos e, em médio-longo prazo, pelo desenvolvimento desordenado associado à instalação de tais empreendimentos”.
Na operação do novo porto, milhares de contêineres precisariam ser transportados e, para cada contêiner, subtende-se haver um caminhão. Ainda no próprio relatório técnico, verifica-se a previsão de 138.240 viagens de caminhões por ano. Isso significa aproximadamente 388 viagens de caminhão por dia. Ou seja: um volume elevadíssimo de carga pesada para uma estrada de pista simples, e que, ainda por cima, teria a função de atender a veranistas e pontalenses. Basta imaginar, por exemplo, o caos provocado por um desses caminhões que quebrasse na via.
Mas o problema não termina aí. Não é necessário ser especialista em trânsito para observar que a BR-277 é uma rodovia de pista dupla muito bem estruturada. Já o trecho da PR-407 (que liga Paranaguá ao trevo de Pontal) é de pista única com mão e contramão. O projeto do governo, todavia, não prevê a duplicação da PR-407, que tem cerca de 20 quilômetros. Ou seja: é altamente provável que um novo porto aumente, e muito, o fluxo, congestionando também a PR-407. Nesse caso, na melhor das hipóteses, estaríamos apenas mudando o problema de congestionamento de local.
Recentemente, a imprensa deu destaque ao fato de a duplicação da PR-407, que deveria ser prioritária, ter saído da lista de obrigações da concessionária de pedágio responsável pela administração da estrada. Essa “desobrigação”, estranhamente, foi negociada entre o governo do Paraná e a concessionária Ecovia. Em vez de 22,5 km de duplicação, foram feitos apenas 3,5 km.
Outra questão importante a ser levada em consideração é o impacto na infraestrutura de Pontal do Paraná com o fluxo contínuo de caminhões de cargas pesadas no município. Será que, nos moldes em que está sendo pensada, ela suportaria tais operações sem rápida deterioração? O problema logístico, sem entrar em méritos ambientais, já é mais que suficiente para que esse projeto seja questionado.
Para viabilizar a rodovia, R$ 369 milhões seriam investidos na primeira fase das obras da chamada “Faixa de Infraestrutura”. O leitor já pensou que esses recursos seriam mais que suficientes para melhorar a BR-277, otimizando, consequentemente, o fluxo e as condições de tráfego em Paranaguá? Recentes notícias apontam que os chineses investiram R$ 1 bilhão no Porto de Paranaguá e irão aportar ainda mais, o que também nos lembra que isso sobrecarregará a BR-277. E por que o poder público não trabalha para melhorar a via já existente em Pontal, fazendo terceiras faixas, trincheiras, ciclofaixas e duplicações onde é possível? O gasto seria bem menor e a obra, mais rápida.
É contraditório, e obviamente questionável, que um projeto desse porte, que acumula incoerências relativas a questões básicas de engenharia de trânsito e logística, vá adiante. E, para quem pensa que um porto seria a salvação econômica de Pontal do Paraná, é bom lembrar que a maioria das cidades portuárias soma problemas crônicos muito típicos. O fluxo contínuo de navios e caminhões levaria a Pontal e região não apenas problemas rodoviários, milhares de estivadores e caminhoneiros. Ele também afetaria irremediavelmente toda a população e turistas, inclusive da Ilha do Mel. O inchaço populacional, os impactos ambientais e a utilização além da conta da infraestrutura local provocados pelo porto também trariam desvalorização imobiliária para muitos proprietários, além do aumento da criminalidade, como, infelizmente, ainda ocorre na vizinha Paranaguá.
Mesmo com tantos riscos anunciados, as autarquias públicas responsáveis pelo turismo e desenvolvimento sustentável parecem nada fazer, ignorando o imenso potencial turístico acumulado pela região. Em época eleitoral, o velho lema marqueteiro desenvolvimentista dos idos de 1920, que prega que “governar é abrir estradas”, parece sobreviver. Não é tempo de mudar?
 
*Glavio Leal Paura é professor da Universidade Positivo, especialista em trânsito, logística de estradas e planejamento de cidades.

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