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Eduardo Faria Silva*
Para falar dos últimos acontecimentos envolvendo o ministro Gilmar Mendes, proponho aqui um exercício: imaginarmos o magistrado analisando a própria conduta a partir da sua formação jurídica. Vamos lembrar que, nos anos de 1980, o país vivia uma série de transformações provocadas pelo fim do regime militar, a população pedia eleições diretas nas ruas, Tancredo Neves era eleito indiretamente presidente pelo Congresso Nacional, o vice José Sarney assumia depois do falecimento de Tancredo, e a nova Constituição Federal era elaborada para finalmente concretizar os princípios republicanos e democráticos que orientavam os países europeus desde a Segunda Guerra Mundial.
Todas as transformações certamente estavam ligadas aos desejos de mudança do então jovem Gilmar Mendes, que havia se formado em 1978 na Universidade de Brasília (UnB), fazia seu doutorado na Alemanha nos anos 80 e já ocupava, desde 1984, o cargo de procurador da República. Imaginando que ele próprio fizesse um retrospecto de suas convicções jurídicas e fantasiando que fosse outro o ministro acusado por crime de responsabilidade, Gilmar Mendes certamente exigiria uma postura republicana firme contra ações que afrontassem o bom funcionamento dos poderes do Estado e da Constituição de 1988.
Então, vamos aos fatos: o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles apresentou, na última quarta-feira, dia 14, pedido de impeachment contra o ministro do Supremo Tribunal Federal por crime de responsabilidade praticado. O fundamento do pedido é o diálogo desse ministro do Supremo com um senador. A fala, gravada pela Polícia Federal, mostra o parlamentar pedindo para o ministro ligar e orientar um senador a votar no projeto de lei que regula o abuso de autoridade. O magistrado responde que já conversou no mesmo sentido com outros dois senadores. Fonteles afirma contundentemente: “ele [o ministro Gilmar Mendes] não só se apressa a dizer a seu interlocutor que assumira a postura [de conversar com um senador] como que já providenciava contatos com dois outros senadores da República”. Para Fonteles, “isso é um clímax: é a hora histórica de brasileiros e brasileiras passarem o país a limpo”. O ex-procurador-geral conclui dizendo que o ministro está “concreta e objetivamente” desenvolvendo “política partidária”, de forma a caracterizar crime de responsabilidade.
Se fosse Gilmar Mendes a analisar os fatos do ponto de vista estritamente técnico, concordaria com essas declarações e ainda recordaria de algumas passagens nebulosas envolvendo este mesmo ministro do Supremo, que no caso é ele próprio. A primeira: o magistrado é sócio do Instituto de Direito Público. A entidade recebeu mais de R$ 2 milhões do frigorífico JBS, empresa que tem um modus operandi criminoso no país e fez acordo de delação denunciando o presidente da República. O segundo momento ocorreu quando o ministro fez a (no mínimo) polêmica declaração de que “o cemitério está cheio desses heróis”, direcionada aos membros do Ministério Público que investigavam atos de corrupção em estatais. O terceiro momento veio no julgamento da cassação da chapa do presidente da República, Michel Temer, por abuso de poder econômico e político. A decisão do ministro pela não cassação contrariou todas as provas produzidas, que detalhavam os crimes de abuso cometidos durante o processo eleitoral.
O áudio apresentado pela Polícia Federal apontava provas irrefutáveis de que o magistrado praticou atividades no campo político-partidário que passam ao largo das atividades típicas da sua função. A separação dos poderes e o funcionamento independente e harmônico do Executivo, Legislativo e Judiciário são claras na Constituição Federal e são a base do Estado Democrático de Direito (artigos 1.º e 2.º da Constituição). A sobreposição de ações anula e vicia o correto funcionamento institucional pela quebra básica da organização dos poderes (Título IV da Constituição). Nesse sentido, é inconcebível, no funcionamento regular de uma república, que o magistrado tome decisões políticas como parlamentar.
O impeachment é a medida extrema a ser tomada pelo Congresso Nacional contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (inciso II do artigo 52 da Constituição Federal). É provável que o próprio jovem Gilmar Mendes defenderia que o afastamento definitivo do magistrado pelo crime de responsabilidade cometido é o único caminho possível para recompor a credibilidade do Judiciário. Pensaria novamente: são novos tempos que exigem sacrifícios institucionais.
Ao se encarar no espelho, o velho Gilmar Mendes certamente desconheceria o seu passado, sua produção acadêmica e o espírito público que possivelmente já o motivou. Os olhos opacos de Gilmar Mendes deixam suas ações obscuras à luz dos princípios republicanos e democráticos que guiam a Constituição Federal de 1988 no século 21.
Todas as transformações certamente estavam ligadas aos desejos de mudança do então jovem Gilmar Mendes, que havia se formado em 1978 na Universidade de Brasília (UnB), fazia seu doutorado na Alemanha nos anos 80 e já ocupava, desde 1984, o cargo de procurador da República. Imaginando que ele próprio fizesse um retrospecto de suas convicções jurídicas e fantasiando que fosse outro o ministro acusado por crime de responsabilidade, Gilmar Mendes certamente exigiria uma postura republicana firme contra ações que afrontassem o bom funcionamento dos poderes do Estado e da Constituição de 1988.
Então, vamos aos fatos: o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles apresentou, na última quarta-feira, dia 14, pedido de impeachment contra o ministro do Supremo Tribunal Federal por crime de responsabilidade praticado. O fundamento do pedido é o diálogo desse ministro do Supremo com um senador. A fala, gravada pela Polícia Federal, mostra o parlamentar pedindo para o ministro ligar e orientar um senador a votar no projeto de lei que regula o abuso de autoridade. O magistrado responde que já conversou no mesmo sentido com outros dois senadores. Fonteles afirma contundentemente: “ele [o ministro Gilmar Mendes] não só se apressa a dizer a seu interlocutor que assumira a postura [de conversar com um senador] como que já providenciava contatos com dois outros senadores da República”. Para Fonteles, “isso é um clímax: é a hora histórica de brasileiros e brasileiras passarem o país a limpo”. O ex-procurador-geral conclui dizendo que o ministro está “concreta e objetivamente” desenvolvendo “política partidária”, de forma a caracterizar crime de responsabilidade.
Se fosse Gilmar Mendes a analisar os fatos do ponto de vista estritamente técnico, concordaria com essas declarações e ainda recordaria de algumas passagens nebulosas envolvendo este mesmo ministro do Supremo, que no caso é ele próprio. A primeira: o magistrado é sócio do Instituto de Direito Público. A entidade recebeu mais de R$ 2 milhões do frigorífico JBS, empresa que tem um modus operandi criminoso no país e fez acordo de delação denunciando o presidente da República. O segundo momento ocorreu quando o ministro fez a (no mínimo) polêmica declaração de que “o cemitério está cheio desses heróis”, direcionada aos membros do Ministério Público que investigavam atos de corrupção em estatais. O terceiro momento veio no julgamento da cassação da chapa do presidente da República, Michel Temer, por abuso de poder econômico e político. A decisão do ministro pela não cassação contrariou todas as provas produzidas, que detalhavam os crimes de abuso cometidos durante o processo eleitoral.
O áudio apresentado pela Polícia Federal apontava provas irrefutáveis de que o magistrado praticou atividades no campo político-partidário que passam ao largo das atividades típicas da sua função. A separação dos poderes e o funcionamento independente e harmônico do Executivo, Legislativo e Judiciário são claras na Constituição Federal e são a base do Estado Democrático de Direito (artigos 1.º e 2.º da Constituição). A sobreposição de ações anula e vicia o correto funcionamento institucional pela quebra básica da organização dos poderes (Título IV da Constituição). Nesse sentido, é inconcebível, no funcionamento regular de uma república, que o magistrado tome decisões políticas como parlamentar.
O impeachment é a medida extrema a ser tomada pelo Congresso Nacional contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (inciso II do artigo 52 da Constituição Federal). É provável que o próprio jovem Gilmar Mendes defenderia que o afastamento definitivo do magistrado pelo crime de responsabilidade cometido é o único caminho possível para recompor a credibilidade do Judiciário. Pensaria novamente: são novos tempos que exigem sacrifícios institucionais.
Ao se encarar no espelho, o velho Gilmar Mendes certamente desconheceria o seu passado, sua produção acadêmica e o espírito público que possivelmente já o motivou. Os olhos opacos de Gilmar Mendes deixam suas ações obscuras à luz dos princípios republicanos e democráticos que guiam a Constituição Federal de 1988 no século 21.
*Eduardo Faria Silva é coordenador da graduação em Direito e da pós-graduação em Direito Constitucional e Democracia da Universidade Positivo (UP).