Por Fernando Borges Mânica, doutor em Direito, procurador do Estado e consultor, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Positivo (UP)
A licitação é prevista pela Constituição de 1988 como o processo por meio do qual a administração pública deve promover a seleção da proposta mais vantajosa de bens, obras e serviços necessários ao exercício das funções do Estado. Sua realização objetiva uma contratação eficiente, com respeito a princípios constitucionais como isonomia e moralidade. Mas ninguém acredita nisso.
As maiores operações policiais do Brasil envolvem, em alguma medida, o processo de contratação pública, na maior parte das vezes realizado nos exatos termos da legislação. Isso não significa que todas as licitações realizadas no país contenham irregularidades, mas sugere que a legislação brasileira sobre licitações não torna o processo imune a desvios. Mais do que isso: é através da Lei de Licitações que muitas fraudes são cometidas com ares de legalidade.
Além disso, são constantes as reclamações de que o processo licitatório no Brasil é por demais burocratizado, com exigência de atos, procedimentos, prazos e formalidades em demasia. Muitas contratações acabam consumindo tempo, energia e recursos que poderiam ser empregados em outras atividades estatais. Tal é a complexidade do processo que a licitação muitas vezes é realizada como um fim em si mesmo e não como um instrumento voltado à garantia de uma boa contratação.
Para mudar esse cenário, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei geral de licitações e contratos administrativos. Não se trata de uma lei integralmente nova, mas da incorporação e desenvolvimento de soluções já testadas por leis específicas, como a Lei do Pregão, a Lei do RDC e a Lei das PPPs. Nelas já consta, por exemplo, a inversão das fases procedimentais, a fase recursal única, a etapa de lances em viva voz, a contratação integrada e a realização de procedimento de manifestação de interesse (PMI).
Apesar de unir em um único diploma várias leis de licitação hoje vigentes, o projeto respeita as peculiaridades de cada espécie de contratação. Além disso, diversas questões semânticas são resolvidas, com explicação precisa de conceitos, em um texto claro e bem organizado. Dentre as novidades propriamente ditas, pode-se destacar o incentivo ao uso da tecnologia da informação; a exigência de elaboração de uma matriz de risco em contratações de grande vulto, com a responsabilidade das partes em decorrência de fatos não previstos no contrato; a contratação de assessoria privada para o próprio processo de licitação; a solicitação de soluções técnicas a empresas previamente à licitação, denominado de “diálogo competitivo”; o recurso à arbitragem para a solução de conflitos; a exigência de um seguro de até 30% do valor do contrato, para o caso de a empresa não cumprir o contrato e também para cobrir eventuais débitos trabalhistas; a ampliação do prazo nos contratos de prestação de serviços para até dez anos; e a ampliação das sanções administrativas e criminais para atos ilícitos praticados no processo licitatório.
Os mais de mil dispositivos legais do projeto trazem importantes avanços para uma boa contratação pública, mas não resolvem todos os problemas das licitações no Brasil. Seria ingenuidade acreditar nisso. De todo modo, o projeto de lei aprovado pelo Senado Federal reforça a importância do planejamento, da interlocução público-privada, da transparência, da responsabilidade e da capacidade técnica da equipe encarregada de conduzir os processos de contratação pública. É nisso que devemos acreditar.