Falta de acervos atualizados, tempo para leitura e formação docente limita o desenvolvimento de leitores no ensino básico
“Leitura, antes de mais nada, é estímulo, é exemplo”, diz uma frase atribuída à escritora Ruth Rocha. O incentivo à leitura desde os primeiros anos da infância é um dos pilares mais importantes da formação educacional e cidadã de uma criança. Ainda assim, grande parte das escolas públicas brasileiras enfrenta dificuldades para garantir acesso a livros de qualidade, formação de professores como mediadores de leitura e espaço para a literatura no currículo escolar.
Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, 44% dos brasileiros não têm o hábito da leitura no cotidiano. Entre os principais motivos apontados por eles estão a falta de interesse e de acesso. Para especialistas, esse cenário é uma consequência direta de um contexto sociocultural em que a leitura é tratada, em geral, como uma obrigação do currículo escolar. Essa visão não permite que crianças, adolescentes e até adultos encarem os livros como uma prática necessária para a construção de repertório cultural ou mesmo como fonte de prazer.
“A leitura precisa ser encantadora. Quando a criança se conecta com o livro por meio de histórias com as quais ela se identifica, o impacto vai muito além do vocabulário: ela desenvolve empatia, repertório e pensamento crítico”, afirma Damila Bonato, gerente de marketing e produto da Aprende Brasil Educação, que atende escolas públicas municipais em todo o país. Diante da concorrência com videogames, redes sociais e outras distrações tecnológicas, iniciativas que combinem literatura, formação docente e recursos digitais tornaram-se urgentes. Engajar crianças e adolescentes nas páginas estáticas do livro é, mais que uma meta pedagógica, um desafio contemporâneo.
Projetos de incentivo à leitura precisam ser fomentados
Uma das estratégias mais eficazes para formar novas gerações de leitores é por meio de projetos de incentivo à leitura. “Ao oferecer acesso a acervos diversos, com mediação qualificada, esses projetos estimulam o hábito da leitura desde cedo, o que é decisivo para o desenvolvimento da linguagem, do pensamento crítico, da empatia e da criatividade”, pontua o assessor de História dos colégios da Rede Positivo, André “Bode” Marcos.
Ele lembra, ainda, que, quando bem estruturados, esses projetos também ajudam a reduzir desigualdades de acesso à cultura escrita, especialmente em contextos de vulnerabilidade social. “Ao formar leitores mais autônomos e reflexivos, eles contribuem para uma geração mais preparada para compreender a realidade, dialogar com diferentes pontos de vista e participar ativamente da sociedade. Em outras palavras, formar leitores é formar cidadãos”, completa.
Um exemplo recente é o projeto “Além da Narrativa”, desenvolvido pela Aprende Brasil Educação, que distribui livros impressos a alunos da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Além dos materiais físicos, as crianças têm acesso a QR codes que possibilitam ver e ouvir as narrações em áudio e vídeo de alguns títulos. Por fim, as obras são acompanhadas de percursos de leitura para professores, recursos em que se apresentam orientações para condução do trabalho com cada livro em sala de aula. “O papel do professor como mediador é essencial. Mas, muitas vezes, ele mesmo não teve a oportunidade de vivenciar a leitura de forma prazerosa em sua formação. Por isso, investir na capacitação do educador é tão importante quanto garantir o acervo”, ressalta Damila. Os docentes recebem, ainda, formação virtual voltada ao desenvolvimento da competência literária.
Embora ainda concentrados em poucas redes, programas como esse apontam caminhos possíveis para transformar a relação das crianças com os livros e, consequentemente, com o processo de ensino e aprendizagem. Em tempos de defasagem educacional e baixo desempenho em leitura nos indicadores nacionais, promover a leitura é uma estratégia urgente para enfrentar desigualdades educacionais e sociais.