Mr. Trump, ou “nada é tão ruim que não possa piorar”

Não é de admirar que o Sr. Trump, presidente estadunidense, tenha tomado a iniciativa destrambelhada, para usar um adjetivo pouco agressivo, de desmontar a política americana de combate às mudanças climáticas estabelecida por seu antecessor. De admirar é o fato de ele ser o presidente do país mais poderoso do planeta em termos econômico, científico e militar – este um comentário apenas para lembrar que não é só na América Latina ou na África que acontecem tragédias eleitorais, e que quando estas acontecem desastres em cadeia também podem acontecer.
Faz poucos dias o senhor Trump foi derrotado na sua primeira grande batalha legislativa, a tentativa de desmontar o sistema público de saúde do país, conhecido como Obamacare. Imediatamente voltou-se contra seu segundo grande alvo eleitoral: tudo e qualquer coisa relacionados a prevenir e mitigar efeitos das mudanças climáticas globais, que ele não crê existir. Por meio de ato executivo, porque via legislativo talvez encare sua segunda grande derrota, o Sr. Trump deu início a mudanças nas regras de um jogo já em curso que colocavam os Estados Unidos nos trilhos do necessário ajuste para enfrentar o problema. Há quem acredite ser esse o passo inicial para a retirada do país da convenção do clima da ONU, embora seja certo que isso não acontecerá sem renhida luta política judicial interna. Mas nada a estranhar até aqui considerando-se os passos do presidente desde sua posse, que mostra sempre que seu discurso eleitoral é também o seu perigoso mapa de rota, uma verdadeira bíblia sagrada, de um mandato que pode não chegar ao fim dado o grau de divisão que já causou na sociedade americana.
Tomando agora duas questões mais concretas para exemplificar a enganosa, senão desastrosa, rota do Sr. Trump vale lembrar: (1) em março de 2015 o respeitadíssimo e capitalista FMI (Fundo Monetário Internacional) divulgou relatório dando conta do estrago global em termos de finanças públicas do setor carbonífero (petróleo, carvão e gás), com subsídios anuais totais da ordem de 2,3 trilhões de dólares, dinheiro público mal usado, cujo corte reduziria imediatamente as emissões globais de carbono em 20%, além de salvar 1,6 milhões de vidas anualmente perdidas associadas às externalidades desse setor de atividades; e (2) faz anos já há campanhas e programas regulares nos Estados Unidos de “desinvestimento” financeiro em relação ao setor carbonífero, com destaque para os fundos de investimentos das grandes fundações filantrópicas, do conjunto da  igreja católica e também das grandes universidades americanas. No caso das fundações, destaque para a Rockeffeler Foundation e a Rockeffeler Brothers Foundation, nascidas das fortunas familiares construídas exatamente no setor carbonífero, que há anos decidiram limpar suas carteiras desses investimentos sujos. Note que é no quintal “do homem” que quem caminha iluminado pela ciência faz o oposto do que ele prega e comanda, seja por razões ecológicas seja pelo risco de “mico” econômico!
Mencionado ciência, indispensável lembrar que os Estados Unidos têm a melhor do planeta a considerar as muitas dúzias de Nobel recebidos, que o fazem o campeão científico planetário. E é nesse contexto, coincidentemente com o mau passo presidencial, que a prestigiosa revista Nature publicou os resultados de estudo confirmando crença antiga: as mudanças climáticas não estão apenas mudando padrões do tempo meteorológico e aumentando a probabilidade de ondas de calor, chuvas fora do padrão e inundações severas, mas levando a novos e piores padrões climáticos, bem definidos geográfica e temporalmente, e assim aumentando ainda mais os danos causados.
Só a ganância de curto prazo, combinada com ignorância e prática religiosa fundamentalista e dogmática, apoia e aplaude o Sr. Trump. A inteligência americana parece estar do outro lado. Lamentavelmente, como me dizia um amigo, paulista do interior, no seu melhor jeito brejeiro: “nada é tão ruim que não possa piorar!” E o Sr. Trump é, seguramente, um desses homens que pode piorar o mundo que conhecemos, que já não é dos melhores, e não apenas desgraçar a vida dos americanos. Pelo menos não o fará sem severa resistência interna, política e judicial, o que nos deixa alguma esperança, conforme nota conjunta já pelos governadores da Califórnia e de Nova Iorque, duas locomotivas da economia e da democracia americanas, bem como pela ação de poderosos grupos ambientalistas americanos que já estão contratando conceituadas bancas de advogados para desafiar na justiça a iniciativa “trompista”.
 
Miguel Serediuk Milano, Eng. Florestal, MSc, Dr, ex-professor da UFPR e ex-professor visitante da Colorado State University, especilista em sustentatbilidade, hoje consultor independente e conselheiro de várias organizações nacionais e estrangeiras. Também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.

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