Artigo: Ditadura Militar, urna eletrônica e o STF

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Francis Augusto Goes Ricken*

Cansei de tolerar a intolerância, não consigo mais engolir falas que beiram ao folclórico mas, ao mesmo tempo, são destiladas de preconceito e ofensas às mulheres, homossexuais, populações tradicionais e às pessoas que discordam e se levantam contra os absurdos proferidos por Jair Bolsonaro. Defendo que o candidato possa se manifestar sobre suas convicções, mas não tenho mais saliva para justificar suas informações desencontradas, suas polêmicas rasas e seus pensamentos estranhos para qualquer indivíduo que tenha um fio de humanidade. Bolsonaro zomba da história do país, Bolsonaro rechaça o texto constitucional, Bolsonaro não respeita as instituições. Isso ficou bem claro na entrevista do candidato no Programa Roda Viva, da TC Cultura, do qual vou destacar apenas três pontos.
Bolsonaro fez questão de exaltar a Ditadura Militar (1964-1985), afirma que o período gerou “(…) feridas que não devem mais serem lembradas” e que práticas de tortura, em grande parte não existiram, servindo tão somente para “(…) conseguir piedade por parte da população, votos e poder”. O que mais me estranha nessa fala é o tom mal-intencionado do candidato sobre nossa realidade histórica e constitucional. Vivemos sim uma ditadura perversa, que restringiu liberdades, calou pessoas, torturou cidadãos e gerou reflexos nefastos na sociedade, economia e em nossa credibilidade internacional. Se o candidato não se satisfaz com nossos historiadores e repletas obras sobre o tema (inclusive de autores conservadores), que ouça os relatos da Comissão da Verdade ou leia documentos oficiais do Governo Norte-Americano que caracterizaram nossa Ditadura Militar como um governo de excessos. O pior: o candidato não percebe que a ditadura calou sua voz, quando ainda era oficial da ativa do exército brasileiro, e que a democracia que ele tanto menospreza foi o sistema que possibilitou que suas falas fossem ouvidas em destaque na política nacional.
Devo lembrar que boa parte dos países do mundo que passaram por momentos obscuros como o nosso tentaram passar sua história a limpo, discutiram o assunto, evitaram negar os fatos. Exemplos como Chile, Argentina, Portugal e Espanha. Não defendo a revisão da Lei da Anistia, pois o STF já se manifestou sobre o tema, mas defendo que possamos falar abertamente sobre os acontecimentos históricos, reconhecermos excessos, evitarmos que possamos repetir os erros do passado. A Ditadura Militar (1964-1985) não foi benéfica para a classe política, não foi benéfica para nossa imprensa livre, não foi benéfica para nossa economia. Temos que acabar com o mito de que governos que restringem direitos fundamentais e agem de forma contrária a preceitos democráticos básicos são governos toleráveis, pois não são.
Como se não bastasse negar a história, o candidato coloca em xeque o processo eleitoral, dizendo que com o sistema eletrônico de votação “(…) as eleições estarão sob suspeição”. Apesar disso, concorreu nos últimos pleitos, reconhecendo suas vitórias como Deputado Federal. A Justiça Eleitoral brasileira é exemplo mundial em administração do processo eleitoral, órgão autônomo aos poderes políticos constituídos, que dificilmente é colocado em xeque pelos próprios interessados: a classe política. E, por último, gostaria de destacar a proposta do candidato para a alteração da composição do STF de 11 ministros, para 21 ministros. Primeiro, me parece algo inexequível, por gerar uma alteração significativa no sistema judiciário, no controle de constitucionalidade, na composição dos poderes e em preceitos básicos do nosso texto constitucional. Além disso, tais medidas são características de governantes que não aceitam as regras do jogo, que não respeitam as instituições, não têm apreço pela Constituição que os elegeu, muito próximo de líderes políticos autoritários que o candidato tanto despreza.
Bolsonaro é o político que diz fazer e acontecer, se diz acima da classe política, acima dos partidos, acima do bem e do mal, mas também é um político que despreza a realidade do país que pretende governar.
*Francis Augusto Goes Ricken, é mestre em Ciência Política, advogado e professor do curso de Direito da Universidade Positivo (UP).

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