Medo do poder judiciário?

Carlos Luiz Strapazzon*
Na sabatina realizada no Senado dos EUA, o candidato a Juiz da Suprema Corte, John Roberts, afirmou que juízes, por serem árbitros, “não criam normas. Aplicam-nas. Só devem assegurar que todos vão jogar segundo as regras” (The New Yorker, 25.05.2009). Outro Juiz daquela Corte, Oliver Wendell Holmes, havia dito que “se meus concidadãos desejarem ir ao inferno, eu os ajudarei. Como Juiz, esse é o meu trabalho” (Holmes-Laski, Letters, 1953). O Min. Luiz Fux, do STF (ADPF 54, fetos anencefálicos) disse que “a trilha minimalista faz muito sentido quando o tribunal está lidando com questão de alta complexidade”. E que tribunais deveriam se conter diante de casos que geram desacordo moral. Essa postura defende a tese de que “política é política, Direito é Direito”.
Mas isso não explica tudo. Na pioneira decisão (HC 410, em 12.08.1893) do caso do Navio Júpiter, o STF deu os contornos do sentido e alcance do poder judicial de revisar a qualidade das leis brasileiras. Fixou as balizas de como o tema seria encarado daí por diante, em nossa República inacabada. “Incumbe aos Tribunais de Justiça verificar a validade das normas que têm de aplicar aos casos ocorrentes e negar efeitos jurídicos àquelas que forem incompatíveis com a Constituição, por ser esta a lei suprema e fundamental do país. Este dever não só decorre da índole e natureza do Poder Judiciário, cuja missão cifra-se em declarar o direito vigente, … se não também é reconhecido no art. 60, letra “a”, da Constituição”. Vozes mais recentes podem reforçar essa linha argumentativa: “Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio básico …, consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana (STF.HC 91.361, Min. Celso de Mello, 23-9-2008). Ou esta: “Por mais nobres e defensáveis que sejam os motivos que conduzem os legisladores, o controle de constitucionalidade não se atém a suas razões, mas à compatibilidade do ato legislado com as normas constitucionais. ” (STF. ADI 4917 MC / DF Min. Carmem Lucia.  Caso dos Royalties do Petróleo. 18.03.2013), ou ainda: “O direito é uma prudência, no âmbito da qual não se encontram respostas exatas. (…) A Constituição diz o que nós, juízes desta Corte, dizemos que ela diz. (STF. Recl. 4219-SP. Min. Eros Grau. Inform. 458. 2007). Essa postura defende a tese de que “Política é Direito, Direito é Política”.
Qual delas é mais “ativista”? Note que a expressão “ativismo judicial” sempre tem um sentido político negativo: parece uma infração, uma arbitrariedade. O paradoxal é que Juízes parecem arbitrários quando dizem mais do que está escrito na ordem jurídica, e também quando dizem menos. Não é à toa que existem, ao menos, 6 definições para “ativismo judicial”. Muito se engana quem supõe que há consensos firmes sobre “ativismo judicial”. Melhor é tentar saber se juízes cometem arbitrariedades. E para isso, é preciso entender cada caso.
Num sistema como o do Brasil, com 3 Poderes independentes e harmônicos entre si, e com um Judiciário autorizado a filtrar a constitucionalidade das leis, Juiz nenhum está totalmente subordinado às leis ou à arena político-administrativa. O único modo de saber se juízes são arbitrários é avaliar como justificam suas decisões. Se densamente fundadas em princípios e regras da ordem jurídica, ou se ignoram a Constituição, os direitos humanos, a tradição jurisprudencial e a ciência. As leis e regras criadas pelo legislativo têm preferência, pois resultam da arena democrática. Mas não é preferência absoluta. Precisam realizar fins democráticos e republicanos estabelecidos nas Constituições, por meios adequados e de modo proporcional. E juízes devem garantir esse resultado.
*Carlos Luiz Strapazzon, Doutor em Direito (UFSC) e Pós-Doutorado em Direitos Fundamentais (PUC-RS), é professor de Direito Constitucional do curso de Direito da Universidade Positivo

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